Não há sentido, nem lógica em definir as regras para divisão do patrimônio, quando o casal está em crise, desejando por fim ao casamento, com ânimo exaltado, brigando por qualquer motivo ou, por vezes, sem conseguir dialogar.
Em primeiro lugar, entenda o que é o pacto antenupcial
O pacto antenupcial é um contrato que o casal celebra antes de casar, definindo as “regras” que disciplinarão sua vida de casados.
Dentre as muitas vantagens do pacto antenupcial, costuma-se reconhecer:
- prevenção de conflitos: ao estabelecer regras claras sobre o patrimônio do casal, o pacto antenupcial reduz a possibilidade de conflitos em caso de divórcio ou inventário, evitando desgastes emocionais e financeiros.
- autonomia e liberdade: através do pacto antenupcial, o casal consegue escolher o regime de bens que melhor se adapta às suas necessidades e desejos, indo além das opções predefinidas na lei;
- proteção do patrimônio individual dos cônjuges: o pacto antenupcial pode proteger os bens adquiridos antes do casamento, heranças e doações, evitando que haja discussão quanto à sua partilha, em caso de divórcio
Certamente, essas vantagens têm influenciado o aumento muito expressivo do número de casais que optam por fazer, antes de casar, o pacto antenupcial.
Nos últimos 10 anos, no Brasil, dobrou a quantidade dos casais que fizeram essa opção, mas esse número é ainda um muito menor do que aquele que se observa nos países da Comunidade Europeia e nos Estados Unidos.
O pacto antenupcial é obrigatório?
A resposta para essa pergunta depende do regime de bens que o casal pretende adotar no casamento. Falamos sobre as peculiaridades de cada um deles nesse texto aqui do blog.
Se o regime de bens do casal for o da comunhão parcial, o pacto antenupcial não é obrigatório, mas pode ser utilizado pelo casal, para usufruir das vantagens que mencionamos.
Nos demais regimes patrimoniais, o pacto antenupcial é obrigatório.
Deixar de fazer o pacto antenupcial quando ele é obrigatório torna nula a escolha do regime patrimonial. E isso, na prática, significa que será adotado o regime da comunhão parcial para aquele casal.
Mas, afinal, quais assuntos são tratados no pacto antenupcial?
Sem dúvida, a questão mais importante tratada no pacto antenupcial é aquela relativa ao regime de bens do casal e, mais especificamente, os aspectos relativos à administração desses bens e à sua partilha, em caso de divórcio ou falecimento.
Costuma-se prever, nesse pacto, critérios para divisão dos bens adquiridos durante o casamento e, também, para aqueles bens que são considerados pela lei como privados ou individuais.
Ou seja: cria-se regras que também podem abranger a situação dos bens que tinha um dos cônjuges antes de casar e, ainda, daqueles que um deles venha a herdar ou receber em doação durante o casamento.
Outra cláusula bastante usual diz respeito à contribuição financeira eventualmente devida a um dos cônjuges, em caso de divórcio, com a fixação de prazo e valor da pensão devida, se for o caso.
Também é possível tratar, por exemplo, de questões relativas à administração de empresas familiares de que sejam sócios os cônjuges, em caso de divórcio.
Outras cláusulas possíveis, nesse tipo de pacto, são aquelas que dizem respeito:
- aos critérios para divisão das responsabilidades financeiras pelo casal (quem paga o quê e em qual proporção são divididas as contas)
- ao eventual uso de técnicas de reprodução assistida para ter filhos
- às visitas e à convivência com os filhos de outros relacionamentos
- à eventual possibilidade de um cônjuge doar bens para o outro sem que isso signifique adiantamento de herança
- à guarda de pets em caso de divórcio
- aos critérios para educação de filhos, durante o casamento e em caso de divórcio
- à multa em caso de infidelidade / traição
- à compensação financeira, no divórcio, caso um dos cônjuges tenha aberto mão da própria carreira para se dedicar à educação dos filhos
- ao estilo de vida que o casal pretende ter durante o relacionamento
- à confidencialidade quanto aos fatos da vida privada
- ao uso de redes sociais pelos cônjuges
- à educação religiosa dos filhos
- ao uso do nome e da imagem do casal, quando, por exemplo, um dos cônjuges ou ambos são pessoas públicas e fazem uso do nome e da própria imagem para campanhas publicitárias ou angariação de negócios nas redes sociais
Não há uma lista fechada de temas que é possível tratar no pacto antenupcial. Prevalece, aqui, a liberdade do casal para proteção de seus interesses em cada situação concreta.
Mas, claro, há limites para o tipo de cláusula que pode ser inserida no pacto antenupcial. Não se admite cláusula que viole a dignidade e os direitos e garantias fundamentais dos cônjuges.
Quais são os requisitos de validade do pacto antenupcial?
Já dissemos que o pacto antenupcial é um contrato celebrado pelo casal antes do casamento, para disciplinar aspectos relevantes da sua vida a dois.
Agora é preciso esclarecer que, nos termos da lei (arts. 1653 a 1657, do Código Civil), o pacto antenupcial precisa ser escrito e celebrado por escritura pública.
Mais um detalhe importante: se o casamento não vier a acontecer, o pacto antenupcial será ineficaz. Ou seja: como regra geral, ele só surte os efeitos pretendidos se o casal que firmou o pacto vier efetivamente a se casar.
E como o Judiciário tem decidido em relação aos pactos antenupciais?
Com alguma frequência, são levados ao Poder Judiciário litígios envolvendo o descumprimento de cláusulas de pactos antenupciais ou, ainda, o questionamento da validade dessas cláusulas.
Já há alguns precedentes importantes, que precisam ser considerados na hora de elaborar um pacto antenupcial.
Veja logo a seguir a orientação que hoje existe nos Tribunais a respeito de algumas questões relativas ao pacto antenupcial.
O pacto antenupcial também pode disciplinar a situação do casal que vive união estável
O Superior Tribunal de Justiça analisou a validade do pacto antenupcial – e a possibilidade de ele surtir efeitos – em situação na qual o casal passou a viver em união estável a partir da sua assinatura, mas não chegou a se casar.
Isso aconteceu no julgamento de um recurso (Agravo Interno no AREsp 2064895/RJ).
Entendeu-se que “o pacto antenupcial por escritura pública, mesmo que não seguido pelo casamento, deve ser tido como um ato celebrado que deve ser aproveitado na sua eficácia como contrato de convivência, devendo, portanto, reger a união estável”.
Ou seja, naquela situação, e em outros julgamentos semelhantes, o STJ manifestou-se no sentido de que, se o casal vive em união estável, o pacto antenupcial que venham a celebrar produz seus efeitos imediatamente, independente do casamento ocorrer.
Então, em algumas hipóteses excepcionais, mesmo não ocorrendo o casamento, o pacto antenupcial pode surtir efeitos.
Só é possível alterar o pacto antenupcial com a anuência expressa dos dois cônjuges
Em outro importante julgamento em relação ao tema, o STJ analisou se era possível a alteração do regime patrimonial da separação voluntária de bens, adotado pelo casal em pacto antenupcial.
Decidiu o STJ, naquele caso, que “o regime jurídico da separação convencional de bens voluntariamente estabelecido pelo ex-casal é imutável, ressalvada manifestação expressa de ambos os cônjuges em sentido contrário ao pacto antenupcial”.
Essa decisão, proferida no julgamento de recurso (REsp 1.706.812/DF), consolidou a orientação de que a escolha do regime patrimonial no pacto antenupcial é irretratável.
Para alterar o regime patrimonial escolhido nesse pacto, o casal precisa manifestar sua vontade expressamente. Aliás, para isso, pode se valer de ação para alteração do regime patrimonial, sobre a qual falamos mais aqui.
Quem é casado sob o regime da separação obrigatória / legal de bens pode fazer pacto antenupcial mais restritivo
Em algumas situações, é obrigatório que o casal adote, para reger sua união, o regime patrimonial da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, do Código Civil.
Isso acontece, por exemplo, quando um dos cônjuges tem mais do que 70 anos.
No regime da separação obrigatória ou legal de bens, como regra geral, não se forma patrimônio comum. Cada cônjuge tem seus bens e, havendo divórcio, em princípio não há partilha (= meação) de bens.
Mas, em recente decisão, o STF entendeu que as pessoas casadas sob esse regime podem formar patrimônio comum partilhável, quando os bens são adquiridos durante o casamento com esforço comum.
Ou seja: o STF, em sua decisão, aproximou o regime da separação obrigatória de bens ao da comunhão parcial.
Vários casais, diante dessa orientação do STF (expressa na Súmula 377/STF), resolveram fazer pactos antenupciais, contendo cláusula que expressamente afastava a adoção dessa orientação em seu casamento.
Ou seja: os pactos continham cláusulas prevendo que renunciavam à aplicação da Súmula 377 ao seu casamento.
Isso significava, na prática, que os bens adquiridos durante aquele relacionamento não seriam, em nenhuma hipótese, considerados patrimônio comum, sujeito a partilha no divórcio.
Chegaram ao Judiciário ações em que se discutiu a validade de pactos com cláusula nesse sentido. Nessas ações, se discutiu se o casal poderia renunciar à partilha que o STF, na Súmula 377, disse ser em tese possível no regime da separação obrigatória.
Esse é o contexto em que foi proferida, pelo STJ, relevante decisão em que afirmada a validade do pacto antenupcial celebrado nas condições supramencionadas.
O entendimento do STJ é que, quando o casal se sujeitar ao regime da separação obrigatória / legal de bens, pode fazer pacto antenupcial com cláusulas mais restritivas.
O que o casal não pode fazer no pacto antenupcial, nesse tipo de regime, é estabelecer cláusulas que o flexibilizem, prevendo, por exemplo, a comunhão de todos os bens adquiridos durante o casamento, independentemente de esforço comum.
É nula a cláusula do pacto antenupcial que prevê efeitos retroativos, para atingir bens e situações consolidadas antes de ele ser celebrado
Quando o casal vive em união estável, sem qualquer tipo de formalização, a regra é que se aplica o regime patrimonial da comunhão parcial de bens.
É, contudo, comum que, no curso do relacionamento, nasça o desejo de o casal vir a formalizar seu relacionamento, muitas vezes através do casamento.
Se, decidindo dar esse passo, o casal fizer um pacto antenupcial, por exemplo, prevendo que será adotado, no casamento, o regime da separação voluntária / convencional de bens, disso não resultarão efeitos para os bens adquiridos até ali.
Ou seja, os efeitos patrimoniais do pacto antenupcial não retroagem para atingir os bens adquiridos antes de sua celebração.
Foi o que decidiu o STJ em julgamento de recurso (AgInt no REsp 2091706 / MG) sobre esse tema.
Nessa decisão, constou que é inválida / nula a cláusula do pacto antenupcial prevendo que seus efeitos serão retroativos.
Se aplicamos essa decisão ao exemplo de que falamos logo acima, chegamos à conclusão de que os bens do casal adquiridos antes do pacto antenupcial serão partilhados pelas regras da comunhão parcial de bens.
Já os bens adquiridos a partir do pacto se sujeitarão ao regime da separação convenciona / legal de bens.
Os preconceitos, em relação ao pacto antenupcial, precisam ser revistos
A celebração de pacto antenupcial é um assunto que ainda gera bastante constrangimento e desconforto entre os casais.
Para alguns, é uma opção apenas “para ricos”. Para outros, além de ser “complicado e caro”, ele significa que os noivos não confiam um no outro.
Mas, com certeza, a justificativa mais comum que ouvimos de clientes para não fazer o pacto antenupcial é que não parece certo casar, “já pensando em separar”.
Essas impressões, embora comuns e, nessa medida, naturais, são equivocadas.
É, de fato, muito comum a opção pelo pacto antenupcial entre casais com patrimônio mais expressivo, inclusive porque os litígios matrimoniais, nesse tipo de situação, podem repercutir sobre o patrimônio da família de origem.
Também é, contudo, bastante frequente a utilização do pacto nupcial por casais que, apesar de não terem um patrimônio expressivo, são bem sucedidos e têm a perspectiva de um futuro próspero, de abundância material.
É importante lembrar que o pacto antenupcial define regras para o que vai acontecer depois de viverem juntos como cônjuges. Para o futuro. E um dos objetivos mais comuns de quem casa é justamente construir uma vida e um patrimônio juntos.
Nada mais natural do que definir como vai funcionar a administração desse patrimônio e eventual partilha, em caso de divórcio, naquele momento inicial do relacionamento, quando prevalece o amor, a confiança e o respeito mútuo.
É preciso, com honestidade, admitir que, no início do relacionamento, os cônjuges se tratam por “meu bem”, mas, quando resolvem se divorciar, a discussão se desloca para os “meus bens”.
Não há sentido, nem lógica em definir as regras para divisão do patrimônio, por exemplo, quando o casal está em crise, desejando por fim ao casamento, com ânimo exaltado, brigando por qualquer motivo ou, por vezes, sem conseguir dialogar.
Aqui é importante deixar claro que o pacto antenupcial não define apenas regras para situações de litígio, de divórcio.
Ele também é uma ferramenta muito importante e útil na definição de questões sucessórias, ou seja, para disciplinar como fica a situação do casal, se um deles vem a falecer.
Claro, pensar em morrer, quando se está fazendo um movimento de esperança, como é o casamento, também não é fácil.
Mas, inegavelmente, a única certeza que podemos ter na vida é a de que, em algum momento, faltaremos. E cuidar da pessoa com quem estamos casando, protegendo-a de riscos quando esse momento chegar, é uma prova de amor inegável.
Alguns exemplos em que o pacto nupcial foi uma solução perfeita para o casal que estava começando a vida a dois
Ao longo dos anos, convivemos com casais que, optando por fazer um pacto antenupcial, fizeram, talvez, a escolha mais acertada de sua vida a dois, por várias razões.
Fazer um pacto antenupcial se revelou uma escolha certada quando:
- havia grande desnível socioeconômico entre os cônjuges e era necessário proteger o patrimônio individual de um deles, inclusive de dívidas anteriores ao casamento do outro cônjuge
- o casal pretendia garantir, em caso de divórcio, a partilha de bem imóvel adquirido com esforço comum, antes do casamento, em nome de apenas um deles
- o casal já tinha passado por experiências de divórcio anteriores muito desgastantes e queria garantir que, naquele relacionamento, se ocorresse divórcio, as coisas fluíssem de forma menos estressante para ambos
- um dos cônjuges tinha filhos de outro casamento e havia o receio de que, se ele viesse a falecer, houvesse situação de conflito pela dispute de bens entre seus filhos e a atual cônjuge
Essas são situações em que, na nossa experiência de advocacia, constatamos a eficiência do pacto antenupcial para proteção dos interesses do casal.
Mas não há uma lista restritiva dos casos em que é possível fazer essa escolha. Prevalece, como já dissemos, o princípio da liberdade, que permite ao casal disciplinar sua vida em comum a partir das regras que parecerem mais razoáveis.
Qual é papel do advogado para casais que desejam fazer o pacto antenupcial
Não é raro que, escolhendo regime como o da separação obrigatória de bens, o casal celebre um pacto antenupcial com um texto padrão, muitas vezes disponibilizados pelos tabelionatos que fazem a escritura pública exigida em lei.
Mas, por tudo o que vimos, o pacto antenupcial é a oportunidade de o casal disciplinar muitas questões importantes da sua vida em comum, naquele momento em que estão mais dispostos a dialogar com calma, amor e transigência a respeito dessas questões.
O auxílio de um advogado especializado, num contexto como esse, abrangerá essencialmente:
- orientação jurídica sobre o impacto da escolha quanto ao regime de bens a ser adotado
- análise dos interesses do casal, das questões que são sensíveis, para sugestão de cláusulas que podem, no futuro, evitar conflitos desnecessários e proteger a situação de ambos os cônjuges
- elaboração do pacto antenupcial, com inclusão de todas as cláusulas pertinentes, redigidas com clareza e observância das regras aplicáveis e do entendimento atual dos tribunais a respeito do tema
- adoção das providências formais necessárias a garantir que o pacto redigido surta os efeitos pretendidos pelo casal
