Doação de imóvel de pais para filhos

A doação de bens como instrumento para realização de vários interesses diferentes nos dias de hoje

É mais comum do que se imagina o interesse em doar bens imóveis para filhos, ainda em vida.

Antes de mais nada, a doação para filhos, com ou sem reserva de usufrutos (vamos ver mais adiante o que isso significa), é um instrumento de planejamento sucessório importante.

Ou seja: os pais usam a doação para adiantar, em vida, a herança que, ao morrerem, deixariam para os filhos. Isso evita o desgaste de um inventário lá na frente, com toda a burocracia e o potencial para conflito entre herdeiros.

Também é frequente pensar na doação de imóveis quando se pretende incentivar a independência dos filhos, auxiliá-los na aquisição da primeira casa e, até mesmo, recompensá-los por seus esforços e conquistas.

Em qualquer hipótese, para evitar que negócio de doação venha a ser questionado posteriormente é importante que você esteja atento a alguns aspectos jurídicos envolvendo a doação.

Dito de outro modo: se você pretende que a doação de imóvel, a um filho, seja válida e produza os efeitos que pretende, é fundamental observar alguns requisitos legais.


Alguns requisitos “gerais” da doação de bens imóveis

Como todo negócio jurídico, a doação precisa atender aos seguintes requisitos:

  1. As partes – doador (pai, mãe ou ambos) e donatário (filho) – devem ser capazes. No caso de filhos menores, a doação deve ser feita com a representação ou assistência dos pais ou tutores, conforme o caso.
  2. A doação deve ser um ato voluntário, sem coação ou vício de consentimento (erro, dolo ou coação).
  3. A doação de imóvel, com valor superior a 30 salários-mínimos, exige a lavratura de escritura pública em tabelionato de notas, conforme o artigo 108 do Código Civil.
  4. Para que a doação tenha efeito perante terceiros e transfira efetivamente a propriedade do imóvel, é necessário o registro da escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis competente, conforme o artigo 1.245 do Código Civil.

Atendidos os requisitos acima, é necessário que sejam observados alguns limites / restrições que decorrem das regras sobre sucessões, ou seja, daquelas normas que disciplinam a situação dos bens após o falecimento do seu proprietário.

Vamos falar disso nos tópicos a seguir.


O valor do bem imóvel doado a um dos filhos não pode ser superior a 50% (cinquenta por cento) do patrimônio do doador

Para proteger os herdeiros necessários (descendentes – filhos, netos etc; ascendentes – pais, avos etc; e cônjuge), a lei proíbe que o proprietário dos bens doe mais do que 50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio.

É que 50% (cinquenta por cento) do seu patrimônio correspondem ao que a lei chama de “legítima” e corresponde à parte do seu patrimônio que comporá a herança deixada aos herdeiros “necessários”.

Em termos práticos, isso significa que, se você tem um patrimônio de R$ 1.000.000,00, somente pode dispor de, no máximo, R$ 500.000,00.

Ou seja: essa é a parte do seu patrimônio que pode ser doada (para qualquer pessoa, inclusive filhos), pode ser deixada em testamento etc.

Agora vamos pensar em um exemplo prático para entender essa restrição.

João e Maria têm três imóveis no valor de R$ 750.000,00, R$ 350.000,00 e R$ 400.000,00, perfazendo um patrimônio total de R$ 1.500.000,00.

Preocupando-se com o futuro de André, filho muito mais novo do que Tiago e Joana, os outros dois filhos do casal, querem doar parte do seu patrimônio para ele.

No nosso exemplo, os pais somente poderiam doar para André, no máximo, metade do seu patrimônio e, portanto, até R$ 750.000,00.

Nesse contexto, poderiam doar validamente o imóvel de maior valor ou, ainda, os outros dois, de menor valor. Ou seja: não seria possível o questionamento futuro pelos demais herdeiros dessa doação.

Se, querendo beneficiá-lo ou protegê-lo, João e Maria doassem a André o imóvel de maior valor e algum dos outros dois imóveis, a doação seria considerada “inoficiosa”, ou seja, inválida.

A invalidade atingiria a doação do que ultrapassasse o limite de 50% do patrimônio líquido dos pais no momento em que realizada.

Realizada a doação sem observância desse limite, os herdeiros prejudicados (no nosso exemplo Tiago e Joana) poderiam obter a anulação quando os pais viessem a falecer.


Como regra, a doação é considerada “adiantamento de legítima”

Sempre que os pais fazem doação de seu patrimônio a um dos filhos, isso é considerado adiantamento de legítima.

Em termos simples, isso significa que a lei presume que, havendo doação em vida do patrimônio, os pais estão adiantando a parte que caberia àquele filho beneficiado, a título de herança.

Como regra geral, isso significa que, quando os pais/doadores falecerem, aquele bem doado será considerado na partilha dos bens por eles deixados.

Entenda como isso funciona a partir do exemplo do tópico anterior.

João e Maria, em vida, doam um imóvel de R$ 750.000,00 para seu filho André. E mantêm consigo os outros dois imóveis de R$ 400.000,00 e R$ 350.000,00.

Quando João e Maria falecem, se nada foi estipulado em sentido contrário (vamos falar disso em seguida), presume-se que André recebeu sua herança em vida.

Se nenhuma doação tivesse sido feita, cada irmão (André, Tiago e Joana) teria direito a R$ 500.000,00 do patrimônio dos pais.

Tendo havido a doação de imóvel de R$ 750.000,00 para André, presume-se que a parte que lhe cabia na herança já foi recebida, quando da doação.

Assim, os demais imóveis, no valor total de R$ 750.000,00, serão partilhados apenas entre os dois outros herdeiros, Tiago e Joana. Essa é a regra geral.


E se os pais quiserem que o filho beneficiado pela doação de bem imóvel mantenha o direito à herança em relação aos demais bens?

No exemplo mencionado no tópico anterior, João e Maria poderiam ter o desejo de que, André, além de ser beneficiado pela doação de bem imóvel, mantivesse o direito à partilha dos demais bens, em caso de falecimento de ambos.

Isso seria possível.

Mas, para tanto, ao doarem o imóvel para André, João e Maria precisariam prever, no negócio, uma cláusula prevendo expressamente que o negócio não interferiria na sucessão.

É o que nós advogados – e a lei – chamamos de “cláusula de dispensa de colação”.

Se essa cláusula fosse inserida no negócio de doação, André, além de receber o imóvel doado, participaria da partilha dos demais bens.

Assim, os outros dois imóveis de R$ 350.000,00 e R$ 450.000,00 seriam partilhados entre ele e os outros dois irmãos – Tiago e Joana -, cabendo a cada um R$ 250.000,00.

Ou seja: em situação como aquela que estamos imaginando, no exemplo, um dos herdeiros (André) poderia, através do negócio de doação, ser beneficiado com 2/3 (dois terços) do patrimônio dos pais, no total de R$ 1.000.000,00.

O negócio de doação, nesse contexto, poderia ser um instrumento mais do que idôneo para tranquilizar os pais em relação ao futuro do filho.


Por fim: como os pais podem manter a posse de bem imóvel doado a filhos em vida?

Muitas vezes, especialmente quando a doação é utilizada como ferramenta de planejamento sucessório, existe o interesse dos pais em continuar com a posse do bem doado, enquanto estiverem vivos.

Às vezes, o bem doado é aquele em que vivem e pretendem viver até o final dos seus dias. Ou, ainda, é bem que lhe rende frutos, como aluguel, de que necessitam para compor a renda familiar.

Em outros casos, o filho beneficiado pela doação ainda é muito jovem. E existe o receio, justificado, de que ele possa dilapidar o patrimônio recebido através da doação.

Seja qual for o motivo, se os pais não querem abrir mão da posse do bem imóvel que pretendem doar a um dos filhos, é possível inserir, no negócio de doação, cláusula de reserva de usufruto vitalício.

Essa cláusula permite que o doador mantenha a posse plena sobre o bem imóvel doado, enquanto estiver vivo.

Assim, mesmo tendo feito a doação do patrimônio, ao doador continuará tendo direito a usar e fruir (auferindo, inclusive, rendimentos como aqueles provenientes de aluguel) do bem.

Mas, atenção: quando o doador estabelece, no negócio, cláusula de reserva de usufruto vitalício, ele assume o ônus de conservar o bem e pagar os impostos e taxas incidentes sobre o imóvel.

E o donatário (quem recebe o imóvel em doação)? Ele se torna proprietário sem posse. Somente poderá dispor do bem, quando o doador falecer, situação em que se extingue o usufruto.


A doação de bens imóveis em vida pode ser feita sem riscos para os envolvidos?

Vimos, ao longo desse artigo, que, apesar das restrições legais, os pais podem fazer negócio de doação de imóvel para filhos com bastante segurança jurídica, sem o receio de que isso vá causar problema quando falecerem.

Mais do que isso: podem fazer a doação de bem imóvel com a garantia de que continuarão na posse desse bem e, portanto, não ficarão destituídos dos frutos / rendimentos do patrimônio que conquistaram com esforço em vida.

Doação de imóveis de pais para filhos

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