Você pode continuar morando no imóvel que dividia com seu cônjuge, depois que ele faleceu

1. No meio do luto, infelizmente, surgem questões práticas que precisam ser resolvidas

Seu cônjuge faleceu e, nesse momento de luto, você ainda precisa lidar com questões práticas, como o que será feito do imóvel onde moravam juntos até então.

Você não é a primeira nem será a última pessoa a, infelizmente, passar por essa situação.

Quando os filhos são menores e ainda estão sob os cuidados do cônjuge sobrevivente, pode ser mais simples lidar com ela.

Mas, se os filhos já são maiores de idade e têm suas próprias vidas, a situação pode ficar delicada, porque, muitas vezes, há, por parte deles, a expectativa de que o patrimônio deixado por um dos genitores, ao falecer, seja partilhado imediatamente.

Essa expectativa é ainda maior quando há filhos, maiores ou não, de outros relacionamentos mantidos pelo seu cônjuge / convivente falecido.

Claro, quando o patrimônio a ser partilhado é maior, o problema pode ser resolvido mais facilmente.

E quando o imóvel em que o casal residia é o único bem dessa natureza deixado pelo cônjuge / convivente falecido?

Com alguma frequência, a pressão causada pelas expectativas dos herdeiros pode levar a uma decisão de alienar esse bem e dar a cada um o que é seu, de acordo com a lei.

Antes de tomar essa decisão precipitada, você precisa saber que existe uma possível solução legal para o problema. Continue por aqui que vamos conversar sobre ela a seguir.


2. Entenda o que é o direito real de habitação e como ele pode lhe ajudar

O art. 1.831, do Código Civil, garante ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Essa regra, que também se aplica às uniões estáveis, garante a moradia vitalícia do cônjuge ou convivente sobrevivente naquele imóvel em que residia o casal antes do falecimento de um deles.

Ou seja: mesmo que aquele imóvel (ou parte dele) componha a herança a que têm direito os filhos ou, na ausência deles, os ascendentes (pais, avós etc) do cônjuge / convivente falecido, a partilha do bem no inventário não impede que o cônjuge ou convivente sobrevivente continue residindo no bem.

Na prática, isso significa que o inventário do bem imóvel onde o casal residia será realizado, os herdeiros se tornarão coproprietários (ou proprietários exclusivos) desse imóvel, mas o cônjuge / convivente sobrevivente continuará podendo morar no bem enquanto viver.

Nenhum valor precisará ser pago pelo cônjuge / companheiro sobrevivente, a título de aluguel, para os herdeiros que se tornarem (co)proprietários do bem imóvel em questão.

O direito real de habitação garante, ao cônjuge / convivente sobrevivente, o direito vitalício à moradia naquele imóvel que era o lar do casal, independentemente de qualquer custo.

Somente quando houver o falecimento do cônjuge / convivente sobrevivente, aqueles herdeiros, que se tornaram (co)proprietários, poderão pensar em alienar o imóvel para efetivamente dividirem o valor apurado, na proporção do seu quinhão.


3. Mas, atenção, o direito real de habitação tem um requisito importante

Como tem por objetivo evitar que o cônjuge / convivente sobrevivente fique desamparado após o falecimento do outro, somente existe esse direito quando o imóvel em que pretende morar seja o único bem dessa natureza a inventariar.

Ou seja: se o cônjuge / convivente falecido deixou outros bens imóveis de herança, o cônjuge / convivente sobrevivente não tem, em princípio, o direito de exigir a moradia vitalícia naquele bem onde morava com o outro.

Nesses casos, para continuar vivendo naquele mesmo imóvel, que, às vezes, foi sua moradia por toda uma vida, o cônjuge / convivente sobrevivente precisará negociar, durante a partilha realizada do inventário, com os demais herdeiros.


4. O regime patrimonial do casamento ou da união estável interfere no direito real de habitação?

Essa é uma pergunta que você pode estar se fazendo, especialmente se o casamento se sujeitou ao regime da separação de bens.

E a resposta está na própria lei: existe o direito real de habitação, independentemente do regime patrimonial do casamento ou da união estável.

Portanto, têm esse direito não apenas os cônjuges / conviventes casados sob o regime da comunhão (parcial ou total), mas também aqueles casados sob o regime da separação de bens.


5. Como e quando fazer valer seu direito real de habitação?

Agora que você já sabe o que é o direito real de habitação, quais são seus requisitos e suas restrições, deve estar se perguntando: como faço para garantir esse direito no meu caso?

Em primeiro lugar, você precisa saber que o direito real de habitação pode ser instituído através de testamento.

Portanto, se seu cônjuge, no testamento deixado, estabeleceu que você teria direito real de habitação em relação ao imóvel no qual viviam juntos, isso deverá ser respeitado pelos herdeiros.

O momento adequado para discutir a existência desse direito é no inventário.

Nesse procedimento, o cônjuge ou convivente sobrevivente, demonstrando os requisitos para exercício do direito, pede ao juiz que seja ele reconhecido.

O ideal é que fique registrado na matrícula do imóvel o reconhecimento do direito real de habitação, para dar publicidade a terceiros.

6. Algumas exceções ao direito real de habitação
a) Quando o direito real de habitação prejudica excessivamente os herdeiros

Em recente decisão, proferida em setembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou quanto à possibilidade de relativizar o direito real de habitação.

De fato, proferiu decisão na qual afirmou que, mesmo estando configurados os requisitos para direito real de habitação, algumas peculiaridades podem afastar esse direito.

Naquele caso analisado, o STJ afastou o direito real de habitação, em situação na qual a viúva recebia pensão em valores muito expressivas, em razão do falecimento do seu cônjuge, enquanto os herdeiros enfrentavam dificuldades financeiras.

Mesmo reconhecendo que o imóvel onde residia a viúva era o único bem dessa natureza deixado em herança pelo cônjuge falecido, o STJ afirmou que a pensão vultosa recebida permitiria à viúva residir em outro bem com dignidade.

Ou seja: nesse caso, foi autorizada a venda do imóvel que era moradia do casal, para divisão entre os herdeiros, por se entender que isso não traria prejuízos à viúva, na medida em que tinha condições financeiras de morar em outro lugar.

Por outro lado, autorizando-se a venda, também se protegia os interesses dos herdeiros, que, naquele caso, estavam em situação financeira mais preocupante do que a viúva.

Constou, na decisão proferida pelo STJ, que a lei deve ser assim interpretada:

“(a) como regra geral, preenchidos os requisitos legais, é assegurado ao cônjuge ou companheiro supérstite o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família”

“(b) é possível relativizar o direito real de habitação em situações excepcionais, nas quais devidamente comprovado que a sua manutenção não apenas acarreta prejuízos insustentáveis aos herdeiros/proprietários do imóvel, mas também não se justifica em relação às qualidades e necessidades pessoais do convivente supérstite”.

b) Quando o imóvel no qual residia o casal já era de propriedade de outras pessoas, antes do falecimento de um deles

Em outro caso, o STJ entendeu que, se havia outros coproprietários do imóvel onde residia o casal, antes do falecimento de um dos cônjuges, o outro não pode se beneficiar do direito real de habitação.

A situação era a seguinte: o pai se divorciou da primeira mulher e doou, para os herdeiros, imóvel que lhe pertencia, reservando o direito de usar e fruir daquele bem até morrer.

Depois da doação, casou-se com a segunda mulher. E, com ela, viveu até vir a falecer.

Naquele caso, como os filhos do primeiro casamento já eram proprietários do bem imóvel antes do falecimento do seu pai, o STJ entendeu que a segunda mulher não teria direito real de habitação em relação àquele imóvel.

Negou a ela, em razão disso, o direito vitalício e gratuito de viver no imóvel que era a residência do casal.


7. Cuidado! Cada caso é um caso

Hoje, as decisões proferidas em processos judiciais deixam claro que o direito real de habitação não é absoluto. Em alguns casos, mesmo configurados os requisitos, ele não vai ser reconhecido pelo Poder Judiciário.

Nesse contexto, a análise de cada caso concreto é fundamental para determinar se é ou não possível o reconhecimento do direito, levando em consideração as peculiaridades da situação familiar e o patrimônio envolvido.

É crucial consultar um advogado especializado em direito sucessório para obter uma orientação adequada, adequando suas expectativas ao que é razoável esperar na situação concreta, antes de tomar qualquer decisão que comprometa seu patrimônio.

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