Para realizar o sonho de uma carreira pública, que lhe permitisse viver com mais segurança e estabilidade, você fez muitos sacrifícios.
Investiu suas economias em cursos e materiais de estudo.
Abriu mão de fins de semana com a família.
Fez dupla jornada diária, muitas vezes trabalhando de dia e estudando de noite.
Gastou com inscrições para concursos, que te permitissem ganhar experiência até chegar naquela fase de ultrapassar as fases iniciais, alcançando a nota mínima de corte.
E, depois de tudo isso, você finalmente chegou perto de concretizar seu objetivo.
Aí, como num pesadelo, você descobre que, apesar de aprovado e classificado nas provas escritas, não vai participar das demais etapas do concurso, inclusive no curso de formação (dependendo da carreira escolhida).
Isso porque, na investigação social, que fazia parte das etapas do concurso, você foi reprovado.
Só nesse momento, você lembra que, lá atrás, mais jovem, menos maduro, mais inconsequente, envolveu-se em alguma situação que hoje está resolvida.
Às vezes foi uma discussão acalorada com vizinhos numa reunião de condomínio, com família, com namorado(a), ex-esposa. Às vezes, foi uma briga num bar. Às vezes, foi um problema de trânsito.
Na sua cabeça, aquela situação já estava superada e fazia parte do passado. Porque, mesmo tendo havido registro policial (com boletim de ocorrência) do fato, a questão foi resolvida. Não teve denúncia pelo Ministério Público nem processo criminal. Ou, se houve, a pouca complexidade dos fatos levou a uma transação penal.
Você deve estar se perguntando: é possível mesmo a desclassificação de um candidato a concurso na fase de investigação social?
A resposta para essa pergunta passa, em primeiro lugar, por entender o que é a investigação social e por que ela é realizada em concursos públicos, especialmente para carreiras de segurança como as da Polícia Civil, Federal e Militar.
Lembra que o principal atrativo para seguir uma carreira pública sempre foi – e ainda continua sendo – a estabilidade, a perspectiva de o candidato aprovado seguir, como regra para o resto da vida profissional, naquela carreira?
Pois bem. Quando a Administração Pública, por seus vários órgãos e entidades, admite alguém para ingresso nas carreiras públicas, quer ter certeza de que aquela pessoa tem idoneidade moral para desempenhar suas funções a longo prazo.
O servidor público, de qualquer carreira, vai lidar com questões importantes para a sociedade.
Assim como escolhemos com cuidado quem vai fazer uma faxina eventual em nossa casa ou prestar outros serviços relevantes, a Administração também adota critérios de avaliação para garantir que o servidor empossado no cargo é uma pessoa idônea, séria, digna e, portanto, apta a ingressar na carreira pública com perspectiva de continuidade, durabilidade.
Esse é o contexto em que foi concebida essa fase de investigação social de concursos públicos.
Através dessa investigação, a Administração Pública quer impedir que pessoas com perfil e histórico de vida claramente incompatível com as funções do cargo concursado sejam aprovadas e empossadas.
Em muitos casos, é na fase de investigação social que se pode descobrir, por exemplo, a inidoneidade de uma pessoa com histórico de abuso de crianças e mulheres para um cargo como servidor de uma escola pública.
Ou, ainda, é através da investigação que se pode descobrir que uma pessoa envolvida em crime de corrupção ativa está pretendendo assumir cargo público de delegado.
Mas, comumente, o fato apontado pela Administração, para o desclassificar algum candidato, na investigação social, não tem nenhuma pertinência ou relevância para o cargo que pretende assumir após aprovação nas demais fases do concurso.
Às vezes, o candidato é reprovado simplesmente porque foi encontrado registro policial, no seu histórico pessoal, que, aliás, foi noticiado pelo próprio candidato, espontaneamente, na fase de investigação social.
E a pergunta inevitável é: aquele registro policial que não teve qualquer desdobramento relevante pode impedir a concretização do sonho de uma carreira pública?
Por muito tempo, a resposta dos Tribunais para essa pergunta era quase “automática”: se constava, no edital do concurso, a investigação social e foi identificado algum problema que desabone, em tese, a idoneidade do candidato, a reprovação seria sim possível.
Mas, com impactante julgamento realizado recentemente (em 2020) pelo STF, o cenário mudou muito.
Passou-se a entender, desde então, que, como regra geral, a simples existência de inquéritos policiais ou processos penais em curso não é motivo suficiente para eliminação de candidatos em concursos públicos.
Nessa linha de entendimento, somente se admite, como regra geral, a desclassificação do candidato, na fase de investigação social, se: a) existe uma condenação definitiva em processo penal; e, b) o crime imputado ao candidato é incompatível com as funções do cargo concretamente pretendido.
Isso significa que, se aquele registro policial do passado não teve nenhum desdobramento relevante (por exemplo, houve arquivamento, houve transação penal, houve sentença de absolvição), dele não pode resultar a eliminação do candidato do concurso, após aprovação nas demais etapas anteriores.
Numa situação como essa, se o candidato, na fase de investigação social, foi reprovado indevidamente, existe o direito a impugnar a decisão administrativa de eliminação do concurso.
Aqui, a medida judicial mais comumente utilizada é o mandado de segurança, em que é importante fazer pedido de tutela de urgência (liminar) que garanta ao candidato a participação nas demais etapas do concurso e a reserva de vaga para que possa, resolvida a questão judicialmente, assumir o tão sonhado cargo.
O papel do advogado, nessa situação, é demonstrar que, apesar do registro policial que consta no histórico do candidato, ele tem idoneidade para desempenho das funções relativas ao cargo ao qual se candidatou.
Ou seja: cabe ao advogado evidenciar, nesse processo, com bastante cuidado, que a simples existência de previsão, no edital, de realização de investigação social, não é, por si, suficiente para justificar a eliminação do candidato, por conta de erros cometidos no passado.
Ninguém precisa pagar o resto da vida por erros que foram superados e resolvidos, não depondo contra sua idoneidade para atuar com lisura e competência na carreira pública para a qual foi regularmente concursado e aprovado.